
CASOS DE VIDA
A superlotação nos cemitérios municipais de Fortaleza afeta diretamente a população mais carente da capital que depende do serviço público para conseguir realizar o sepultamento de seus entes queridos. O problema da falta de vagas é antigo e pode dificultar a vida dessas famílias que procuram nos cemitérios públicos uma forma de dar uma última morada digna para seus mortos.
Quando o cemitério do Bom Jardim foi construído seus dois principais objetivos eram acolher os corpos que os outros cemitérios não estavam conseguindo atender e ser um local destinado aos pobres, que não tem condições de pagar por um serviço particular. Foi por essas dois motivos que dona Mariazinha procurou o cemitério do Bom Jardim.
A senhora perdeu o seu filho em 2012 após ele sofrer uma queda, com 57 anos. Dona Mariazinha não teve problemas para encontrar um túmulo, pois uma funerária foi responsável por providenciar um. O jazigo de seu filho tem o nome de três pessoas, mas ela não estranha a situação. A senhora carente diz que “eles não tiram de lá”, já que uma sobrinha sua está enterrada no Bom Jardim há onze anos. Além disso, a dona Mariazinha viu um outro sepultamento onde estava seu filho. A senhora sempre reza no mesmo túmulo, mas talvez ela não reze pelo seu filho.
Dona Zélia Oliveira do Santos é outra senhora que procurou o serviço público do cemitério do Bom jardim. O filho de dona Zélia morreu nos dia das mães, durante um assalto. Assim como Mariazinha, não teve dificuldades para encontrar um túmulo para seu filho e uma funerária ficou responsável por isso. Ela quer procurar um lugar melhor para o filho e diz que está providenciando transferi-lo de cemitério.
Mesmo com três nomes diferentes na lápide seu filho,dona Mariazinha realmente acredita que ele ainda esteja. O caso da senhora pode ser entendido como uma exumação feita não notificada à família. Segundo o secretário da Regional V, responsável pelo cemitério Bom jardim, Afonso Cordeiro, um corpo só pode ser exumado cinco anos após o sepultamento. Quando a exumação é realizada, os restos mortais são levados para um ossuário e a família é notificada. Quem tem o controle disso é a administração do cemitério. A morte do filho de dona Mariazinha completou cinco anos, seu filho pode não estar lá, mas ela não sabe disso, aparentemente.
“Fica um cadastro no cemitério, é retirado o nome da lápide e é colocado o nome dessa pessoa no ossuário. Então a família é informada, principalmente nas datas de maior visitação no cemitério. Tem todo um controle na administração do cemitério pra dar essa informação aos familiares que, aos invés de procurar o jazigo, eles procuram o ossuário que é todo mapeado no cemitério do Bom Jardim.”
No caso de dona Zélia, de 64 anos, ela não passa pelo caso de dona Mariazinha, ela quer transferir seu filho de cemitério. Por uma medida cautelar, um corpo não pode ser transferido de um jazigo para outro com menos de três anos de sepultamento. A morte do filho de dona Zélia completou um ano. Apesar do desejo de tirar os restos mortais do seu ente querido de lá, ela não reclama do atendimento que recebe no cemitério. A máxima de que os filhos enterram seus pais não prevaleceu nas histórias de dona Mariazinha e dona Zélia. As duas perderam seus filhos e encontraram no cemitério do Bom jardim uma morada final para eles.
O QUE MUDOU?
A falta de vagas para sepultamentos nos cemitérios municipais de Fortaleza chegou ao colapso em 2013. Na época a Regional V, responsável pela administração e manutenção do cemitério do Bom Jardim, abriu licitação para a ampliação de mais cinco mil novos jazigos para resolver o problema da superlotação. A empresa Polytec ganhou a licitação para a realização da obra, com o orçamento de R$ 1.359.789,22. Em 2013, o cemitério dispunha de apenas 990 jazigos para atender toda a população de Fortaleza.
Uma nova licitação foi aberta no mês de março de 2017 para atender a demanda da cidade. O novo contrato tem o orçamento de R$ 1,22 milhão e tem o objetivo de realizar exumações e liberar mais de 8.440 mil ossuários (gavetas para guardar os ossos após a exumação) no Parque Bom Jardim. Apesar de passar por uma série de exumações desde 2010, o cemitério, em 2017, conta com somente 194 vagas disponíveis, segundo a Regional V em dados divulgados em julho desse ano. Por lei, um corpo só pode ser exumado da sua lápide cinco anos após o sepultamento e não há informações de que este prazo esteja sendo respeitado diante da urgência da situação.
Para entendermos melhor, fizemos um infográfico que você pode ver clicando no botão a baixo:




CADÊ A VAGA QUE ESTAVA AQUI?
Por: Abigail Mendes, Clara Studart, Itallo Rocha e Teresa Brunetti
O cemitério do Bom Jardim foi construído em 1994 para atender às demandas da população fortalezense. Demanda que os cemitérios já existentes na época não estavam mais conseguindo atender. O espaço contava, na sua inauguração, com 60 mil jazigos. Hoje,23 anos depois , tem capacidade para 111 mil sepultamentos, porém já está com a capacidade esgotada novamente. E continuam enterrando!.
Todos sabem que a morte é algo inevitável e inerente à existência humana e, mesmo assim, o assunto é tabu e polêmico para muita gente. Quando a falta de vagas nos cemitérios se torna um empecilho, morrer pode parecer ainda mais inquietante. Com o passar do tempo, os cemitérios públicos de Fortaleza não suportaram a demanda da população e se encontram em estado de superlotação.
O crescimento populacional de Fortaleza gerou uma situação insustentável de cemitérios públicos abarrotados, entre outras complicações. O problema que acontece nos campos-santos municipais atinge diretamente a população mais pobre que depende do espaço público para enterrar seus entes queridos. O crescimento da população também fez com o que a cidade se expandisse até os locais antes considerados mais afastados da cidade, onde atualmente estão instalados os cemitérios. Ou seja, há bairros ao redor destes equipamentos, gerando um problema de saúde e segurança. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esses espaços para sepultamento têm um grande potencial de poluição e isso pode prejudicar a população circunvizinha.
Fortaleza tem cinco cemitérios públicos espalhados pela cidade: Antônio Bezerra, Bom Jardim, Messejana, Mucuripe e Parangaba. O único que ainda realiza diariamente sepultamentos é o cemitério do Bom Jardim. No caso dos cemitérios da Parangaba ou do Antônio Bezerra, por exemplo, recebem apenas sepultamentos de famílias que já reservaram seus jazigos anteriormente, os chamados permissionários.
Cemitérios
PÚBLICOS

IMPACTO AMBIENTAL
A superlotação dos cemitérios causa outro problema, a contaminação do solo e dos lençóis freáticos. A decomposição dos corpos enterrados liberam diversos metais que fazem parte do organismo humano. O principal contaminante dessa decomposição é o necrochorume, um líquido viscoso que é liberado constantemente pelos corpos em putrefação que, geralmente, contém vírus e bactérias. Isso prejudica a população das proximidades dos cemitérios e, consequentemente, toda a cidade.
Em 2009 a Vigilância Sanitária do Município realizou uma série de inspeções nos cemitérios de Fortaleza, à pedido do Ministério Público Estadual. Naquela época, o Bom jardim foi o primeiro a ser inspecionado. Os problemas apontados estavam relacionados na manutenção do local e a insuficiência de equipamentos para os funcionários. As inspeções aconteceram depois das denúncias de enterros de indigentes sem caixão, no Bom Jardim.
O Conselho Nacional do Meio ambiente estabeleceu critérios para que os cemitérios no Brasil se adequem às normas de meio ambiente. O documento contém 18 artigos para regulamentar os cemitérios no quesito ambiental. As resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de 2003 foi assinado pela então presidente da instituição, Marina Silva. Os critérios tiveram o objetivo de agilizar e simplificar os procedimentos de licenciamento ambiental no funcionamento dos cemitérios horizontais e verticais.
O CONAMA, além de estabelecer resoluções para regulamentar as atividades dos cemitérios em relação ao meio ambiente, impôs um prazo para que os municípios elaborassem um plano de diretrizes para a adequação dos cemitérios já existentes anteriores à 2003. O principal impedimento para essa regularização acontecer está relacionado com o padrão de estrutura dos cemitérios já estabelecidos. É de responsabilidade da administração de cada cemitério em parceria com o governo. No caso de Fortaleza e do cemitério do Bom Jardim, a Regional V é responsável por assegurar que o espaço respeite as normas ambientais.

Com uma área de 84.341 m². O cemitério do Bom jardim foi fundado em 1994 para ser destinado à população que não possui condições de comprar jazigos. Hoje, o espaço possui apenas 194 vagas para sepultamentos para atender toda a população fortalezense.
Para tentar solucionar o esgotamento a longo prazo, sugestões como crematórios municipais e construção de cemitérios verticais são levantadas. As propostas são do vereador presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano, Habitação, Meio Ambiente, Viação e Transporte da Câmara Municipal de Fortaleza, Acrísio Sena. O vereador argumenta que a construção de cemitérios verticais e a implantação dos crematórios públicos são o melhor caminho para resolver o problema a longo prazo, diferente das medidas paliativas tomadas atualmente pelo poder público. Porém, Acrísio Sena reconhece que, no caso dos crematórios, as religiões de matriz cristã são o principal impedimento para que a ideia seja desenvolvida.
“Olha, eu particularmente acho que é o melhor caminho. Mas tem um impasse religioso. Só pode cremar com autorização em vida. Eu só sei que nós temos que ter uma saída porque também não se pode enterrar como indigente. Você quer ir lá, deixar flores.” (Acrísio Sena, vereador)
Enquanto o problema não é solucionado a médio e longo prazo na capital, a Regional V realizou algumas ações para diminuir o estrangulamento no cemitério. O processo licitatório para exumações garantiu, segundo o secretário em exercício, Afonso Cordeiro, uma tranquilidade para novos sepultamentos até dezembro de 2018. Um outro processo licitatório foi aberto para mais oito mil novos ossuários para atender a população mais carente que precisa dos cemitérios públicos.
O QUE DIZEM AS AUTORIDADES?
De acordo com a lei 6.437/77 e 12.305/10 (institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos), um paciente não pode manter um membro amputado em casa. A parte do corpo amputada pode ter dois destinos: o hospital pode encaminhar o órgão para a incineração ou o paciente pode, por conta própria, providenciar um sepultamento para aquele membro. O enterro de uma parte do corpo é semelhante à um enterro tradicional. O paciente deve procurar uma funerária para que a parte do corpo seja retirada do hospital. O membro amputado é enterrado em caixões, já que não existem urnas especiais para os órgãos mutilados.
CURIOSIDADE

INFOGRÁFICOS

ENTREVISTA
O secretário em exercício da Regional V, Afonso Cordeiro, concedeu uma entrevista para falar sobre o caso de superlotação do cemitério do Bom Jardim. O secretário esclareceu assuntos relacionados à exumação dos corpos, as demandas que o espaço público recebe, resoluções para o problema da falta de vagas à curto e médio prazo, entre outros assuntos.
